A frase que encabeça este artigo é muito conhecida. Constitui um emblema da economia política de um famoso e recentemente falecido mestre, Milton Friedman, o mentor da Escola de Chicago e uma das teorias básicas que sustentou a orientação neoliberal que tomou a globalização, no mínimo, há duas décadas.
Não se trata aqui de expor nem sequer uma pequena parte dessa teoria, basta explicar que o recado principal que a frase traz consigo é mais ou menos o seguinte: Tudo o que seja necessário ou atrativo (essas duas características nem sempre são a mesma coisa) tem um preço e esse preço se avalia em quantidade de dinheiro.
Na mentalidade dos neoliberais, quando se diz que não existe almoço grátis, se tenta enfatizar que, ainda que de fato se possa almoçar de múltiplas maneiras sem ônus, como quer que seja alguém terá que pagar por isso. Pagar por isso implica que certa quantidade de matérias-primas, de força de trabalho manual e intelectual, de meios de produção, máquinas etc. (secundariamente, distribuição, apropriação e troca) nunca são gratuitos para quem os oferece, ou seja, que muitos têm que pagar para possibilitar o citado almoço. Infelizmente, a coisa não é tão simples, porque tem que se pensar que para realizar essa elementar operação, é preciso pagar diversos impostos federais, estaduais e municipais, muitos dos quais são superpostos. Por exemplo: quem cultiva os frutos vegetais e animais que serão consumidos precisa vendê-los, e para que isso aconteça legalmente, paga vários impostos sobre a propriedade ou a ocupação da terra, sobre as sementes, fertilizantes e tantos outros insumos e, finalmente, pelo que ganhou ao comercializá-los. No extremo dessa linha estão os trabalhadores e funcionários que pagam (sem pelo momento entrar em discussões a respeito) com sua força de trabalho, a execução dos diversos passos do mencionado processo. Mas, só como outro exemplo (tudo é muito mais complicado): tanto quem serve esse almoço, como quem o consome, tem que pagar impostos correspondentes a esses atos em si mesmos.
Com tantas cobranças, como um almoço poderia ser gratuito? Alguém tem que pagar tudo isso, ainda que não seja o agraciado com o tal almoço! Mas aí começa a mais pertinaz polêmica de todos os tempos: suponhamos que um país tenha condições para produzir todos os componentes desse almoço (e ainda poupar muitos outros) para todos seus habitantes, sejam eles produtivos ou não, porque não pode existir almoço grátis? A resposta parece muito simples: porque todos os componentes que entram nos processos descritos têm um custo, e cada agente proprietário de um desses componentes (especialmente os donos das matérias-primas e dos meios de produção), mas não só eles, quer receber uma remuneração acima do custo e ainda acima do acima do custo. Se não estou muito enganado, muitos economistas denominam a esse sobre-custo “valor agregado”, e a finalidade última de toda produção, apropriação, troca e consumo de bens materiais e de serviços não é produzir e oferecer bens e serviços, senão, conseguir que o chamado valor agregado seja o maior possível, sem nenhum remorso nem prurido.
Isto significa que tudo o que forma parte do almoço não são prioritariamente produtos nem serviços: tudo o que forma parte de um almoço são mercadorias. Neste caso, mercadorias são bens que se produzem ou se proveem para comprar e vender ganhando mais dinheiro (que também é uma mercadoria), ou seja, adjudicando às mercadorias um valor maior do que elas valeriam se seu valor em dinheiro fosse rigorosamente formado pela disponibilidade que esse país tem das matérias-primas, pelas despesas reais de produção, distribuição e consumo; pelos custos governamentais, inequívocos, de manutenção da ordem nesses processos nacionais e internacionais e, não necessariamente, pela exploração e administração das indústrias de base (diversas produções energéticas, redes de distribuição, viárias etc.). Mas, essencialmente, a formação de preços se funda no valor que os proprietários do dinheiro, das matérias-primas, dos meios de produção, dos compradores de força de trabalho e os intermediários (que o povo chama de “atravessadores”) investem nos custos operacionais citados, assim como quanto o Estado cobra e gasta para cumprir com seus deveres. A experiência lida desde uma certa honestidade, mostra que todos os participantes dos processos que operam com mercadorias querem ganhar o máximo possível como valor agregado ao que elas lhe custam. Assim sendo, a condição de mercadoria eleva consideravelmente o preço de tudo quanto entra nos processos de produção e no circuito da comercialização (que não é o mesmo que apenas o da distribuição).
Como consequência (não única), pode-se dizer que muito provavelmente, se não se opera com mercadorias (tal como acabamos de defini-las), com produtos e serviços propriamente ditos, seria perfeitamente possível um almoço grátis, porque haveria um excedente de produção que poderia ser destinado a esses fins. É claro que esses “almoços” são uma metáfora para a atenção de todas as necessidades daqueles que, não por falta de vontade, não podem pagar tal doação.
Os “Chicago Boys”, discípulos de Friedman, partem da base que só um funcionamento do mercado de bens e de serviços regido por um mínimo de regras e tributos pode autorrregular-se pela simples concorrência, ou seja, o que implicará na sadia vitória para produtores e consumidores do melhor e mais barato produto ou serviço. Eles chamam a essa autorregulação da “mão invisível” que cuida do mercado. A rigor, a tal mão invisível é um eufemismo para denominar um tipo de ser humano que se caracterizaria por querer sempre ganhar mais dinheiro e ter mais posses, supostamente, respeitando as regras do jogo, por própria iniciativa.
Na realidade, como o mundo está constatando, depois de duas ou mais décadas de esforços para deixar as coisas nas mãos da “mão invisível”, a crise planetária já instalada nada fez para que toda a população mundial almoce, e muito menos de graça.
Seria injusto atribuir essa catástrofe apenas ao fracasso da mão invisível (apesar de que ela nunca meteu uma mão esclarecedora no trabalho escravo, semi-escravo, informal e formal desocupado). Nem sempre (embora que às vezes, sim) a mão invisível do mercado é responsável pelo custo da mão do Estado (notavelmente corporativo, inflado, corrupto, ineficiente e autocentrado). Nem sempre a mão invisível do mercado (embora que às vezes, sim) é culpada dos delitos da “mão negra” (assim se chamava certo segmento da máfia italiana). Nem sempre a mão invisível do mercado é a culpada de que a competição fraudulenta incrementa as quebras, a acumulação, os cartéis, as trustes e os monopólios supranacionais, que geralmente se associam às oligarquias regionais para impor um preço aos almoços. Nem sempre a mão invisível respeita as regras, mais bem é regra que não as respeite, compre o Estado, perverta os consumidores com o marketing, imponha preços, salários, impostos, delitos ecológicos e tudo o mais. Não é raro que a mão invisível convoque em sua ajuda a mão militaris, cara, mas lucrativa.
Mas sem dúvida a mão invisível do mercado sabe aproveitar as crises que provoca, eliminar os homens que não precisa, produzir os que precisa e eliminá-los quando não precisa mais. Mais ainda: a mão invisível do mercado não tem o menor escrúpulo de mendigar empréstimos ao Estado (que ela contribui substancialmente a sustentar) quando, por excesso de vontade de lucro ou por roubalheira descarada, desperta a multidão abobalhada ou excede a cobertura que o Estado pode lhe dar sem pisar-se o rabo.
É cada vez mais evidente que outros mundos são possíveis mas, por enquanto: assim caminha a humanidade, cerca da metade de seus integrantes não almoça.
Não se trata aqui de expor nem sequer uma pequena parte dessa teoria, basta explicar que o recado principal que a frase traz consigo é mais ou menos o seguinte: Tudo o que seja necessário ou atrativo (essas duas características nem sempre são a mesma coisa) tem um preço e esse preço se avalia em quantidade de dinheiro.
Na mentalidade dos neoliberais, quando se diz que não existe almoço grátis, se tenta enfatizar que, ainda que de fato se possa almoçar de múltiplas maneiras sem ônus, como quer que seja alguém terá que pagar por isso. Pagar por isso implica que certa quantidade de matérias-primas, de força de trabalho manual e intelectual, de meios de produção, máquinas etc. (secundariamente, distribuição, apropriação e troca) nunca são gratuitos para quem os oferece, ou seja, que muitos têm que pagar para possibilitar o citado almoço. Infelizmente, a coisa não é tão simples, porque tem que se pensar que para realizar essa elementar operação, é preciso pagar diversos impostos federais, estaduais e municipais, muitos dos quais são superpostos. Por exemplo: quem cultiva os frutos vegetais e animais que serão consumidos precisa vendê-los, e para que isso aconteça legalmente, paga vários impostos sobre a propriedade ou a ocupação da terra, sobre as sementes, fertilizantes e tantos outros insumos e, finalmente, pelo que ganhou ao comercializá-los. No extremo dessa linha estão os trabalhadores e funcionários que pagam (sem pelo momento entrar em discussões a respeito) com sua força de trabalho, a execução dos diversos passos do mencionado processo. Mas, só como outro exemplo (tudo é muito mais complicado): tanto quem serve esse almoço, como quem o consome, tem que pagar impostos correspondentes a esses atos em si mesmos.
Com tantas cobranças, como um almoço poderia ser gratuito? Alguém tem que pagar tudo isso, ainda que não seja o agraciado com o tal almoço! Mas aí começa a mais pertinaz polêmica de todos os tempos: suponhamos que um país tenha condições para produzir todos os componentes desse almoço (e ainda poupar muitos outros) para todos seus habitantes, sejam eles produtivos ou não, porque não pode existir almoço grátis? A resposta parece muito simples: porque todos os componentes que entram nos processos descritos têm um custo, e cada agente proprietário de um desses componentes (especialmente os donos das matérias-primas e dos meios de produção), mas não só eles, quer receber uma remuneração acima do custo e ainda acima do acima do custo. Se não estou muito enganado, muitos economistas denominam a esse sobre-custo “valor agregado”, e a finalidade última de toda produção, apropriação, troca e consumo de bens materiais e de serviços não é produzir e oferecer bens e serviços, senão, conseguir que o chamado valor agregado seja o maior possível, sem nenhum remorso nem prurido.
Isto significa que tudo o que forma parte do almoço não são prioritariamente produtos nem serviços: tudo o que forma parte de um almoço são mercadorias. Neste caso, mercadorias são bens que se produzem ou se proveem para comprar e vender ganhando mais dinheiro (que também é uma mercadoria), ou seja, adjudicando às mercadorias um valor maior do que elas valeriam se seu valor em dinheiro fosse rigorosamente formado pela disponibilidade que esse país tem das matérias-primas, pelas despesas reais de produção, distribuição e consumo; pelos custos governamentais, inequívocos, de manutenção da ordem nesses processos nacionais e internacionais e, não necessariamente, pela exploração e administração das indústrias de base (diversas produções energéticas, redes de distribuição, viárias etc.). Mas, essencialmente, a formação de preços se funda no valor que os proprietários do dinheiro, das matérias-primas, dos meios de produção, dos compradores de força de trabalho e os intermediários (que o povo chama de “atravessadores”) investem nos custos operacionais citados, assim como quanto o Estado cobra e gasta para cumprir com seus deveres. A experiência lida desde uma certa honestidade, mostra que todos os participantes dos processos que operam com mercadorias querem ganhar o máximo possível como valor agregado ao que elas lhe custam. Assim sendo, a condição de mercadoria eleva consideravelmente o preço de tudo quanto entra nos processos de produção e no circuito da comercialização (que não é o mesmo que apenas o da distribuição).
Como consequência (não única), pode-se dizer que muito provavelmente, se não se opera com mercadorias (tal como acabamos de defini-las), com produtos e serviços propriamente ditos, seria perfeitamente possível um almoço grátis, porque haveria um excedente de produção que poderia ser destinado a esses fins. É claro que esses “almoços” são uma metáfora para a atenção de todas as necessidades daqueles que, não por falta de vontade, não podem pagar tal doação.
Os “Chicago Boys”, discípulos de Friedman, partem da base que só um funcionamento do mercado de bens e de serviços regido por um mínimo de regras e tributos pode autorrregular-se pela simples concorrência, ou seja, o que implicará na sadia vitória para produtores e consumidores do melhor e mais barato produto ou serviço. Eles chamam a essa autorregulação da “mão invisível” que cuida do mercado. A rigor, a tal mão invisível é um eufemismo para denominar um tipo de ser humano que se caracterizaria por querer sempre ganhar mais dinheiro e ter mais posses, supostamente, respeitando as regras do jogo, por própria iniciativa.
Na realidade, como o mundo está constatando, depois de duas ou mais décadas de esforços para deixar as coisas nas mãos da “mão invisível”, a crise planetária já instalada nada fez para que toda a população mundial almoce, e muito menos de graça.
Seria injusto atribuir essa catástrofe apenas ao fracasso da mão invisível (apesar de que ela nunca meteu uma mão esclarecedora no trabalho escravo, semi-escravo, informal e formal desocupado). Nem sempre (embora que às vezes, sim) a mão invisível do mercado é responsável pelo custo da mão do Estado (notavelmente corporativo, inflado, corrupto, ineficiente e autocentrado). Nem sempre a mão invisível do mercado (embora que às vezes, sim) é culpada dos delitos da “mão negra” (assim se chamava certo segmento da máfia italiana). Nem sempre a mão invisível do mercado é a culpada de que a competição fraudulenta incrementa as quebras, a acumulação, os cartéis, as trustes e os monopólios supranacionais, que geralmente se associam às oligarquias regionais para impor um preço aos almoços. Nem sempre a mão invisível respeita as regras, mais bem é regra que não as respeite, compre o Estado, perverta os consumidores com o marketing, imponha preços, salários, impostos, delitos ecológicos e tudo o mais. Não é raro que a mão invisível convoque em sua ajuda a mão militaris, cara, mas lucrativa.
Mas sem dúvida a mão invisível do mercado sabe aproveitar as crises que provoca, eliminar os homens que não precisa, produzir os que precisa e eliminá-los quando não precisa mais. Mais ainda: a mão invisível do mercado não tem o menor escrúpulo de mendigar empréstimos ao Estado (que ela contribui substancialmente a sustentar) quando, por excesso de vontade de lucro ou por roubalheira descarada, desperta a multidão abobalhada ou excede a cobertura que o Estado pode lhe dar sem pisar-se o rabo.
É cada vez mais evidente que outros mundos são possíveis mas, por enquanto: assim caminha a humanidade, cerca da metade de seus integrantes não almoça.